sábado, 2 de abril de 2016

Capítulo 9: Cem


4 de maio de 1970

Caríssimo H,
Hoje é um dia muito especial. Você sabe o porquê?
100 páginas!
100. Foram tantas alegrias que eu já compartilhei com você...
Apesar do tempo, eu ainda gosto de reler alguns momentos para me desvencilhar da vida que tenho levado. Eu me sinto uma idiota quando leio algumas coisas...
Lembra-se da vez em que eu tropecei na escada por causa de uma garota mal educada? E no dia seguinte eu descobri que ela era filha do produtor do meu filme? Eu tenho que rir.
H, você foi e ainda tem sido um dos melhores amigos que eu poderia ter. Ninguém em sã consciência me ouviria do jeito que você ouve.
Você esteve presente quando eu perdi a vontade de atuar. Quando eu perdi minha mãe no ano passado... Você foi um ombro de papel, um ombro que toda mulher deseja ter, mas poucas conseguem. A sociedade intimida as mulheres de tal jeito que nenhuma delas se sente segura para  escrever, atuar, ou fazer qualquer outra coisa que não seja cuidar da casa e dos filhos mimados.
Graças à minha experiência de vida, eu consegui me libertar destes hábitos nojentos da sociedade desde que tinha cinco anos.
Sab, a gente não escolhe o ué a gente vai ver ou ouvir em nenhum momento da vida, a não ser quando somos crianças... As crianças têm uma liberdade individual incrível! Eu poderia ter largado pra lá quando tudo aconteceu nos meus cinco anos, mas eu escolhi assistir tudo do início ao fim, e acho que isso me fez quem eu sou hoje.
Bem, centésima página escrita para o Diário da grande estrela!

A gente se vê numa próxima, o trabalho me chama aqui do lado...


quarta-feira, 30 de março de 2016

Capítulo 8: Flor Solitária no Asfalto Molhado


11 de Abril



Hoje é o dia mais importante da minha vida, pelo menos, um dos.

A re-abertura triunfal da loja vai ser incrível e eu sei disso! Vamos dar uma festa em homenagem a família de Jonas, quer dizer, eu vou dar.

Tudo bem que a festa vai ser mais um monólogo meu com mais ninguém, comendo um patêzinho, com essa crise tenho que evitar gastos desnecessários. Ainda mais que nãos sou lá um cara formado em administração e tudo mais.

Mas eu vou conseguir, eu vou fazer valer a pena.

Todo o meu esforço com certeza vai encobrir essa tragédia.

Mas pra falar a verdade eu tenho medo, tudo pode simplesmente desmoronar de novo a qualquer momento.

E no fim.

Eu ainda estou sozinho.

Tá. PARA!

Não pode terminar assim.

esse é o meu dia, ele vai ser feliz.

Sei que o movimento em floriculturas é pouco e hoje devo ter no máximo dois clientes e alguns olheiros, mas mesmo assim não posso desanimar.

É o sonho que Jonas quis pra mim.

Capítulo 7



sábado, 26 de março de 2016

Capítulo 7: A Flor Pastel

27 de Março


Essa é a primeira data comemorativa sem eles, é estranho de mais.

Não tive coragem de ir a igreja como de costume, bem, nunca fui adepto a uma religião e só ia para fazer companhia ao grande Jonas.

É estranho chamar ele assim.

Estou risonho essa semana e até descreveria meus risos mas não quero perder o tom fúnebre do luto que transcorre essas páginas, acho que não seria delicado com a coisa que, provavelmente, é e sempre será a melhor memória da família mais rica que eu já encontrei.

Chega a ser engraçado o fato deles terem morrido logo no natal.

A reforma vai bem, o sistema de irrigação é muito bom e é acoplado ao anti-incêndio, os caras que o moço do segurou me indicou realmente sabem o que fazem e são super gente-fina.

Menos o tal do Rafael, ele é meio anti-pático e bruto mas os colegas dizem que é por problemas familiares.

Ninguém está salvo desse tipo de problema né?

Bem, acho que agora estou.
Ou pelo menos quando cicatrizar.

Tenho que ir, vou buscar um chocolate baiano pra levar pra galera da obra. Tudo bem que eles só vão pegar na segunda mas o que vale é a intenção.

Abraços do cocoa.

Capítulo 6                                                                                                                                 Capítulo 8


quarta-feira, 23 de março de 2016

Capítulo 8: Mãe


07 de maio de 2016

Querido diário,
Preciso encontrar uma solução definitiva para minha vida. Cada dia que passa, sinto que estou a mais um passo do inferno, mas, quando me dou conta, eu já estava nele há muito tempo. Sinto vontade de fazer poucas coisas. A maior parte de tudo o que eu faço é para que as outras pessoas não se preocupem comigo. Faço tudo especialmente pela Jessica e pela minha mãe. Ninguém tem culpa da minha vida estar esse inferno, é um manto que tenho que carregar sozinha.

Tento não falar muitas coisas. Tenho muito medo de falar aquilo que as pessoas não querem ouvir. Jessica vem me falar de trabalhos e de passeios, eu fico sem saber como dizer para ela que, se eu tivesse que escolher, passava o dia inteiro embaixo do meu cobertor. A vontade de chorar já passou. Acho que a fonte secou. Já chorei por uma vida inteira, por duas talvez. Agora só quero é ficar quieta debaixo dos meus problemas e fingir, com todas as minhas forças, que eu não existo.

Minha mãe finalmente fez as contas. Depois de tanto tempo, ela viu que era impossível que eu saísse do colégio às seis e chegasse em casa às sete, sendo que o trajeto de volta costuma demorar vinte minutos. Eu senti minhas células vibrarem quando ela me perguntou o porquê. A razão era muito óbvia para mim. Já estava me acostumando a ir para a casa do Natan após a aula, acostumada ao sexo e às posições “novas” que ele queria tentar. No entanto, não me acostumei a mentir para as pessoas. Já estava difícil mentir para a minha melhor amiga, agora era a hora de mentir para a minha mãe.

Tudo o que consegui dizer era que Jessica sempre pedia que eu fosse com ela fazer um lanche. Disse que ela estava preocupada e que fazia isso para tentar me mostrar que as coisas estavam normais. É muito difícil mentir para sua mãe. Ela me conhece tão bem que poderia dizer que é uma mentira, mas acontece que era exatamente o que ela queria ouvir, então ela acredita. No fundo, mamãe queria ouvir que eu estava me tratando e que as coisas estão voltando ao normal. Como de costume, eu disse o que ela queria ouvir. No fim das contas, ela é a única pessoa que eu realmente sei o que espera de mim, então é muito mais fácil fingir.

Não está sendo fácil para ela também. Ainda não consigo tirar da minha cabeça o olhar dela quando assistiu ao vídeo. O pânico e o horror que seus olhos descreviam eram mais impactantes do que qualquer outra palavra. Não é fácil admitir que sua filhinha lindinha e amável agora é uma estrela pornô. Eu não queria que ela visse. Na verdade, não queria que ninguém visse, mas fiquei bem nervosa quando as pessoas que eu amo começaram a ver.


Para terminar meu teatro, minha mãe resolveu que estava na hora de contribuir com a minha cura. Na cabeça dela, isso a faz uma mãe melhor, então eu não reclamo. Ela me deu livros e até que são boas opções. Eu leio no meu quarto assim que chego em casa e tento mergulhar fundo na história. Talvez eu mergulhe tão fundo que não encontre a superfície, ou talvez eu encontre em alguma história uma solução para a minha. Ou talvez nada. Talvez eu tenha que me acostumar a viver conforme esperam que eu viva.



sábado, 19 de março de 2016

Capítulo 8: Diagnóstico


12 de Setembro de 1987

H,
Eu sei que da última vez eu disse coisas horríveis para você. Nem imagino como você deve estar magoado.
É que de vez em quando eu esqueço porque eu ainda escrevo em você. É tanto trabalho na fábrica, tantas tarefas dentro de casa, levar o cachorro ao veterinário... eu de vez em quando enlouqueço.
Infelizmente, ou felizmente, eu hoje me lembrei novamente do motivo de escrever em você.
Eu fui ao Doutor Germano de novo. Eu não sei como te contar isso, meu companheiro de tantas risadas e lágrimas...
Eu sofro da doença de Parkinson.
Eu vou me aposentar por invalidez no final deste ano, já está tudo certo.
Mas... essa não é a pior parte. Eu não sei se vou conseguir mais escrever.
Pior. Eu vou jogar pelo ralo de vez todos os meus sonhos de virar uma grande estrela.
Patty jamais será reconhecida mundialmente.
Eu não me sinto bem, talvez nós não nos vejamos nunca mais.
Minhas mãos não são seguras para nada.
Eu estou triste.
Meu mundo caiu.
Eu só quero partir.

Capítulo 7


quarta-feira, 16 de março de 2016

Capítulo 7: Ana e Bia


30 de abril de 2016

Querido diário,
As coisas pioraram depois da conversa com Rodrigo. Como se fosse um caminhão, tudo voltou para mim com força total. Não consigo absorver o impacto. Jessica e Natan estão namorando oficialmente agora. Ela estava tão feliz quando me contou. Já ele só o que fez foi sorrir junto e, quando Jessie não estava olhando, sussurrou no meu ouvido, dizendo que comemoraríamos o namoro mais tarde. O curioso foi que eu assenti. Já esperava por algo do tipo, tem sido mais fácil aceitar.

Ana e Bia ainda não falam comigo. Não entendo direito o porquê. Desde que o vídeo foi solto, elas não se dispuseram para conversar. Tudo o que sei é que estavam recebendo comentários deselegantes de garotos que achavam que elas transariam com eles porque eu transei com meu namorado. Ainda não engoli essa resposta, mas, ultimamente, estou engolindo muita coisa, uma a mais uma a menos...

Quando contei a Jessica que tinha falado com Rodrigo, ela sugeriu que eu procurasse as meninas para conversar também. Se eu podia encarar meu ex-namorado cafajeste e voltar ao colégio no dia seguinte, eu deveria ser capaz de encarar minhas ex-melhores-amigas. Concordei, mesmo sem acreditar no que ela diz. Está difícil lidar com Jessie, eu não me sinto mal em discordar dela. É como se eu tivesse uma dívida eterna: “como estou fazendo sexo com seu namorado, eu não vou te contrariar mesmo que eu queira”.

As meninas não pareceram muito felizes de me ver. Fomos obrigadas a conversar em um banheiro que elas trancaram. Me senti mal por ser uma companhia tão desagradável, mas, ao mesmo tempo, senti que eu estaria errada em reclamar de qualquer coisa. Demorei para saber o que eu deveria falar, até que cheguei a conclusão de que eu perguntaria como elas estavam. Percebi que já havia muito tempo que não nos falávamos. Nenhuma das duas pareceu dar uma resposta muito sincera.

Finalmente cheguei ao cerne da conversa: saber a razão pela qual elas não queriam manter contato. E vamos lá. Segundo elas, eu coloquei o vídeo na internet porque queria me mostrar. Contar que tinha perdido minha virgindade não havia sido o suficiente, eu precisava mostrar para o mundo minha “xereca cabeluda”. ‒ Palavras delas. ‒ Eu precisava mostrar que eu sou de alguma forma superior a todo mundo e mostrar que eu tinha chegado onde nenhuma delas havia chegado: na cama.

Fiquei triste por saber que era esta a visão que elas tinham de mim. Mas, de alguma forma, me senti aliviada. Essa razão era muito mais crível do que as outras. Outra coisa que me aliviou foi chegar a conclusão de que nenhuma das duas tinha colocado meu vídeo na internet. Se elas acreditavam mesmo no que diziam, só faria sentido se não soubessem quem foi o verdadeiro autor, se achassem que eu era a culpada por tudo aquilo.


Bia me perguntou se eu tinha mesmo colocado meu vídeo na internet. Quando olhei para Ana, percebi, pela sua expressão, que ela queria que eu assumisse. Foi a primeira expressão que eu consegui ler. Como atualmente eu não sei o que as pessoas esperam que eu faça, resolvi satisfazê-la. “Vocês têm toda a razão. Fui eu mesma quem postou o vídeo.”

Capítulo 6                                                                                                                               Capítulo 8


sábado, 12 de março de 2016

Capítulo 7: O casamento


7 de Agosto de 1957

Caro H,
É hoje! Eu esperei tanto por esse dia.
A minha mãe está feliz de um jeito que eu nunca vi. Célia diz que estou perdendo tempo escrevendo para você enquanto devia estar me arrumando, mas eu quero deixar tudo registrado.
Eu vou me casar. Eu estou tonta de tanta felicidade.
Eu amo ele. Hugo é o homem da minha vida. Ele me entende de um jeito que ninguém nunca me entendeu e nunca vai me entender. Ele me trata om carinho e respeito.
Eu nunca quis contar isso para ninguém, mas Hugo foi o meu primeiro. Nós ficamos tão envolvidos que não conseguimos evitar.
Eu não me importo de que ele tenha tirado a virgindade da minha irmã também. Eu gosto dele e compreendi tudo quando ele se declarou para mim.
Mas o melhor mesmo foi o propouzal. Liga não, é coisa de americano. É o pedido. Eu lembro bem, ele me chamou para comer uma pizza de azeitona, sendo que ele odeia azeitona. Depois um casal perto da gente começou a discutir porque na pizza dela estava escrito de ketchup: Casa comigo. Eu acho que eles nem eram casal.
O garçom ficou muito sem graça, a pizza era nossa. Eu tomei um susto, mas não conseguia parar de rir. Disse sim milhares de vezes.
Eu queria escrever muito mais sobre a minha felicidade, mas o vestido está me encarando da cama, eu preciso correr. Preciso dizer SIM!

Capítulo 6                                                                                                                                 Capítulo 8